17 de nov. de 2010

Psicologia da Arte




A Frida Kahlo
                                  


                             I

Não é a paisagem que muda,
            mas quem a vê.

            A xícara sobre a mesa
            não molha o corpo
            nem aquece a vida,
            mas o café.

            A xícara sobre a mesa
            não é paisagem,
            nem a chuva sobre o corpo,
            mas o corpo.

            A forma em si
            não se revela,
            não basta vê-la
            é preciso criá-la...

                        II

a faca não vive,
            mas corta;
            a vida pulsa,
            mas não corta.

            (O corte da vida
            não está na faca,
            mas no sangue;

            o sangue da faca
            não está na vida,
            mas na faca.)

            A faca e a vida
            estão no mesmo corte,
assim como o sangue
está na faca e na vida.
                                  
Mas a vida da faca
não está no sangue
e o sangue da vida
não está na faca,

nem na paisagem que não muda,
mas em quem a vê.

     III

(A arte não está no mundo
como o café está na xícara,

mas o café derramado
escorre tanto na tela 
quanto na vida;

mais na vida que na tela,
mais no corpo que na chuva,
mais na mesa que na xícara.)

Quem procura a arte
encontra a si mesmo,
como girassóis sob o sol.

Quem encontra a arte
            nega toda imagem,
            cega todo espelho.

     IV

O rio não nasce rio,
nasce fonte,
e a fonte assim como o rio,
nasce água.

Cultivar uma semente
é pintá-la,
não com rio
nem com fonte,

mas com água
que vem do rio,
com água
que vem da fonte.


Assim, o pão
que vem do trigo,
vem da água,
não do rio,

e a vida
que vem do útero,
vem da água,
não da fonte.

Águas que deságuam
em outras águas,
tecendo teias,
criando rios;

no tempo
que do tempo faz
a vala comum
de todo vestígio.

Nessa tela
pode o amanhã ser um traço,
o branco virar pássaro,
a sombra o vazio.

Claro enigma

 



A forma inacabada da palavra
Não dita, mas imaginada
Em outras formas ainda não criadas.
A sombra da forma idealizada
No fio da palavra quase tecida.
O que na palavra fez seu refúgio
E não se fez entendido, apenas desejado.
O que para existir precisa ser apanhado
Na forma de besouro descuidado,
Na teia da palavra inacessível.
O que na quietude se fez contemplativo
E no esquecimento muito mais sentido.
O que está perdido não na voz, no ruído,
Mas no emudecer perpétuo do repouso,
No silêncio de um grito.